Existe uma ponte sobre o Rio Choluteca, em Honduras, país na América Central que sofre constantemente com furacões e tempestades. Depois de vivenciarem tantas catástrofes, contrataram uma empresa japonesa de alta tecnologia, para construir a ponte mais firme e resistente que pudesse ser construída. Assim, em 1998, ficou pronta a nova obra, para alegria de seus moradores, que agora poderiam atravessar a ponte com segurança.
Em outubro daquele mesmo ano, choveu em Honduras num único dia o que costuma chover em 4 meses. Uma grande inundação matou mais de 7000 pessoas. E a ponte? Ficou ali, firme, resistente. Porém, as estradas de acesso foram totalmente destruídas e o Rio Choluteca desviou seu curso, deixando de passar por baixo da ponte. A obra, tão firme, resistente e tão bem construída, ficou sem função e totalmente inadequada ao contexto.
Esta história é, para mim, uma grande metáfora dos atuais acontecimentos que mudaram nossos rumos, deixando nossas verdades e certezas em suspensão e nos propondo, assim como o rio Choluteca, um desvio no fluxo de nossas vidas.
E agora? Como refazer esta ponte, esta conexão com um mundo diferente, onde os rios mudaram seu rumo e as antigas estradas não mais existem? Como nos resetar, redefinir e ressignificar este novo contexto?
Acredito que podemos começar aprendendo a conversar. Sempre achei que conversar fosse como andar ou respirar, ou seja, algo que aprendemos naturalmente. Descobri que naturalmente aprendemos a andar, a respirar e a falar, mas não aprendemos a conversar. Em casa, me ensinaram que criança não interrompia os adultos e que não podia gritar. Na escola, na universidade ou em ambientes corporativos, nunca me contaram que conversar é diferente de falar.
Percebi então que conversar é escutar.
Com-versa subentende versar com o outro. É quando nosso diálogo e nossa evolução acontecem com e a partir do outro. É escutar, desnudando-nos para compreender o outro. É deixar que esta escuta nos transforme e possa mudar uma vírgula, uma frase ou todo o nosso pensamento. É fechar a gavetinha do “já sei” e abrir todas as gavetinhas do “não sei”.
Descobri a “com-versa” recentemente e descobri também que boas conversas mudam nossas relações mais próximas, em grupo, em comunidade. Boas conversas mudam o mundo. Estamos modificando nossa maneira de viver e pensar. Sempre que a humanidade passa por transformações importantes aparecem novas ideias, novas palavras, novas maneiras de nos comunicar. A tecnologia, antes apenas uma ferramenta, é agora nosso ambiente. Viabiliza conversas e conexões significativas, intermedia nossos encontros. Podemos assistir a conversas dos outros ao vivo, chamadas de vídeo nos conectam com amigos e familiares, trabalhamos, estudamos, fazemos exercícios e até participamos de encontros criativos e provocativos.
Talvez estejamos mais conectados socialmente do que nunca graças à tecnologia. “Deu saudade de quem até nem conhecemos”. “Tirei um tempo para me conectar com pessoas que há muito não falava”. São frases que reforçam que o nosso isolamento nunca foi social, é apenas físico. Além de mantermos nossas conexões, falamos com pessoas que estão em suas casas, imaginando como é a sua sala, seu quarto, com quem mora, qual sua história. Na tela somos todos um quadradinho do mesmo tamanho, sem aquela enorme mesa de reunião com cabeceira para o chefe, sem saber quem está de havaianas, de salto alto ou descalço, e às vezes com a presença inesperada e alegre de crianças ou pets. A anterior formalidade dos ambientes corporativos das empresas agora proporciona encontros remotos mais informais, apesar de estarmos distantes fisicamente. Até a nossa conversa ficou mais “organizada”.
Premissas para uma boa conversa, antes pouco respeitadas nos encontros presenciais como: não interromper quem está falando, fazer uma escuta ativa, escutar para compreender e não para responder, os pequenos silêncios entre falas agora acontecem espontaneamente nas plataformas de encontros virtuais. Nos encontros remotos, podemos silenciar os participantes quando convier sem parecer falta de educação, temos que esperar o outro acabar de falar antes de intervir, conversas paralelas ou sobrepostas confundem o computador e bagunçam as reuniões. É a tecnologia nos educando. Novos comportamentos, novos contextos, novas conversas e novas palavras para dar conta de tanta mudança.
Palavras são cápsulas do tempo. Adequam-se às transformações do mundo. Fábrica, indústria, ferrovia, greve, proletário e elite são palavras que surgiram para dar conta de uma grande mudança que o mundo atravessava durante a Revolução Industrial. E até 2020 A.C (antes do Corona) onde estávamos nós? No meio de uma outra grande mudança, a Revolução Digital, com Inteligência Artificial, Algoritmos, Bitcoins, Blockchain, bots e chatbots. Estes são alguns exemplos de palavras do mundo tecnológico.
E hoje onde estamos nós? Ainda não chegamos ao D.C (depois do Corona) e a história ainda irá nomear este momento, mas por enquanto estou chamando de revolução X.0 – uma era em que nós, enquanto civilização, redefiniremos a nossa maneira de estar no mundo e seremos os responsáveis pelo nome que o futuro dará ao X.0. Nosso X é ainda uma incógnita.
Por onde começar? Sugiro começar aprendendo a conversar. Novas vozes, antes não ouvidas, como o empoderamento feminino, empoderamento negro, LGBTQAI+, geraçãp 50+, geração Z conquistaram seu lugar na conversa, exprimindo suas vontades e necessidades dentro de um mundo em transformação.
O meio ambiente também entrou na conversa com suas mensagens claras e contundentes, sem ao menos expressar uma palavra. É também um modo de dizer… Nestas novas conversas que emergem, aparecem diversas palavras para dar conta de tanta mudança e que expressam o espírito de nosso tempo, o Zeitgeist.
Palavras são cápsulas do tempo. Elas representam e nomeiam ideias, contextos, sentimentos, situações, emoções.
Se quisermos inovar, transformar ou combater alguma situação é preciso identificar, nomear. Nós só combatemos o que nomeamos.
Nós só transformamos quando nomeamos.
Estas são apenas algumas palavras, entre diversas outras, que expressam o espírito do tempo e nos conectam com a conversa contemporânea.
Quer se conectar melhor com as pessoas e com o tempo presente? Tenho 3 dicas que farão a diferença:
- Escute genuinamente os outros, diferente. Seja curioso, deixe pré-julgamentos e pré-conceitos de lado. Abra-se para diferentes pontos de vista. Nós aprendemos com quem pensa diferente de nós. Aqueles que pensam igual a nós apenas confirmam o que já sabemos. Saia do reducionismo sim/não, considere a dúvida e o talvez como uma possibilidade.
- Aproprie-se da potência das palavras e seus significados, tornando-os parte de você e, assim, participe mais autenticamente da nova conversa, onde cabemos todos. Cuide da forma e do conteúdo de suas falas.
- Converse sobre os temas, verbalize seus pensamentos, exercite as novas palavras e seus significados, pois ajudam a construir nossa realidade e a possibilidade de criarmos um vocabulário coletivo.
Conversas e Palavras são pontes com o contemporâneo, abrem novas perspectivas, ampliam nossa visão de mundo, possibilitam a criação de significados compartilhados. Lembram da ponte do Rio Choluteca, cheia de certezas e verdades? Como faremos para chegar ao outro lado, agora que nossos caminhos e o nosso rio da vida deslocaram-se?
Sugiro aprendermos a conversar. Foi a partir da linguagem que nos desenvolvemos, que evoluímos enquanto humanidade e impulsionamos as grandes transformações. Inovações como a imprensa e a tecnologia são decorrentes de um grande salto, a fala humana e a nossa capacidade de construirmos coletivamente é o que proporcionou esta evolução. Foi na base da conversa que chegamos até aqui. Precisamos melhorar a qualidade de nossas relações e da nossa experiência humana.
Vamos juntos conhecer e construir o que há do outro lado da ponte? O nosso futuro? Era uma vez uma ponte…
Talk de Tipiti Barros, criadora do FikaConversas, no TEDxBlumenau 2020.