O perfil de Instagram do FikaConversas fez uma Live (quem quiser assistir pode corer pra lá) com Tipiti Barros, idealizadora do Fika, e Rita Lovro, mediadora e facilitadora de diálogos. O tema? Silêncio.
Eis o resumão dessa conversa-aula, pra pensarmos um pouco.
Numa conversa, costumamos associar o silêncio com a falta de interesse, achamos que a pessoa não está prestando atenção. Não é algo bom, é algo que causa desconforto. Mas, precisamos rever isso.
Há vários tipos de silêncio, ou melhor, vários motivos que levam a ele. Eis alguns:
- A pessoa está quieta porque está tranquila;
- Tem falta de interesse;
- Tem medo de falar ou responder;
- Não poder falar;
- Não querer falar.
Numa conversa, o silêncio é uma pausa para para reflexão, é algo construtivo. Já reparou como um bom palestrante e um bom contador de história sabem usar as pausas a seu favor?
Uma pausa pode enfatizar algo. É uma paradinha para processar uma informação, para absorver o que a pessoa está falando. Você entende o que foi dito e prepara sua próxima fala. Não há nada de errado nisso. Ao proceder assim, você está praticando a escuta consciente, a escuta genuína. Essa é, também, uma atitude receptiva, do tipo “deixa eu prestar atenção de verdade nessa conversa”. Claro, é difícil de praticar, afinal vivemos numa sociedade “barulhenta”, que gosta de interromper e tem ansiedade para falar. Há um treino, um aprendizado a ser feito.
EM GRUPO
Quando estão em grupo, as pessoas não conseguem ficar em silêncio. Elas acham que a forma de estarem presentes é falando. Mas, justamente quando estamos em grupo, o silêncio é uma delícia de se experimentar. Você fica numa posição confortável, de observador, ouve o que todos falam e apura seu pensamento, vai mudando conforme ouve diferentes pontos de vista. Ao final, se decidir falar, já terá absorvido muito do que foi dito e sua fala será valiosa. Experimente fazer isso. Parece difícil ficar em silêncio, mas se você se propõe, vai conseguir.
Diálogo é dar e receber. É estar aberto. Somos interdependentes e temos que lidar com as diferenças. A maneira de conseguir conviver é justamente ouvindo. Não precisa concordar, mas tem que ouvir.
SILÊNCIO MENTAL
Você chega em casa cansado, vai pro quarto e pega o celular. No final, está “conversando”.
Vai meditar e nem sempre consegue. É difícil conseguir o silêncio mental, mas temos que tentar aquietar a mente para poder deixar entrar coisas novas, uma intuição, um pensamento criativo. Essas coisas acontecem com a mente calma. Muita coisa acontece durante o silêncio.
RETIRO NA ÍNDIA
Rita nos contou sobre o retiro do silêncio que fez na Índia. Ficou 7 dias sem falar nada com ninguém. Sem celular, sem relógio. Sem contato com o mundo, a não ser o seu próprio mundo interno.
“Foi maravilhoso”, ela disse. Rita contou que tinha uma rotina, todos os dias fazia meditação e assistia aulas em que só o monge falava. No começo, dava vontade de comentar com alguém, mas depois a vontade passava. Ela descobriu que a mente não fica quieta, passam filminhos o tempo todo, mil e um pensamentos. Mas cada dia é diferente, ela começou a perceber coisas sobre si mesma, descobriu ansiedades e, por fim, adaptou-se, foi aceitando as coisas. Na prática budista, ela diz, você tem o “acalmar a mente” e o “estar presente”, o mindfulness, as duas coisas ao mesmo tempo.
O silêncio acalma. O silêncio não é um vazio.
PRESTAR ATENÇÃO
Estamos acostumados a prestar atenção nos sons, sabemos identificá-los e o que fazer com eles. Com o silêncio não é bem assim. Quantas vezes vc sentou na varanda, sem o celular ou um livro na mão, só pra ouvir o silêncio?
O músico John Cage (1912-1992), artista multimídia, pesquisou o silêncio na música, o que conhecemos por pausas musicais. Ele afirmou que aquilo não era um vazio. Um bom músico usa a pausa para criar vida, dimensão, profundidade na música. Ele visitou uma câmara acústica, isolada de todo som, portanto, num silêncio absoluto. Mas Cage começou a ouvir barulhos do seu próprio estômago, da respiração e até do coração. Sua conclusão? Não há o silêncio absoluto.
Cage criou uma música chamada 4.33. Ele põe a partitura na frente e fica em silêncio por 4 minutos e 33 segundos. Passado o tempo, acabou a música. Os sons não intencionais que acontecem durante esse tempo compõem a música. Sobre essa performance, ele dizia:
O silêncio não é acústico, é uma mudança da mente, uma reviravolta.
O MA JAPONÊS
Rita e Tipiti não falaram do Ma, a palavra no Japão que define um universo de coisas e que eu não saberia explicar muito bem, porque é complexo. Ma é um conceito que permeia a cultura japonesa. Na conversa, se traduz por uma pausa; na arquitetura, por espaços vazios; nos arranjos florais de ikebana, pelos espaços entre as plantas; na pintura, por uma área branca; na dança, pelo não-movimento; no cinema, pelo congelamento da ação, em templos, é o espaço onde o divino se manifesta.
Para nós ocidentais, o vazio equivale ao nada, à morte. Mas para a cultura japonesa, o vazio é o espaço onde as coisas podem acontecer. Na conversa, a pausa é para as duas partes, então ela é o espaço onde as duas pessoas que falam podem se encontrar em seus pontos de vista. É complexo. Melhor vocês lerem um texto de quem realmente entende sobre o Ma, de autoria de Michiko Okano, para a Revista USP, que pode ser acessado clicando aqui.